Verbos: particípio

PASQUALE CIPRO NETO
 

Por falar em particípio…Algumas gramáticas apresentam orientação diferente da clássica quando elencam os duplos particípios


NA SEMANA PASSADA, para explicar a questão do uso das formas “presidente” e “presidenta”, citei a expressão “particípio presente”. Afirmei que palavras terminadas em “-nte”, como “presidente”, “agente”, “pedinte” etc., vêm do particípio presente de verbos latinos e traduzem a noção de agente de determinado processo. O presidente, por exemplo, é quem preside, o pedinte é quem pede, o viajante é quem viaja e assim por diante.
Pois a expressão “particípio presente” fez muita gente lembrar-se de outra expressão, o “particípio passado”. Um leitor disse o seguinte: “Era por isso que nos diziam que “beijado” é o “particípio passado” de “beijar’? E por que não nos ensinavam o que é o particípio presente?”.Pois é. O particípio passado, hoje chamado simplesmente de particípio, é uma das formas nominais do verbo (gerúndio, infinitivo e particípio). Sabemos que a forma regular do particípio dos verbos terminados em “ar” termina em “ado” (beijado, estudado, transportado etc.) e a dos verbos terminados em “er” ou “ir” termina em “ido” (bebido, esquecido, permitido, dividido, iludido).Sabemos também que a maior parte dos verbos apresenta apenas o particípio regular (beijado, permitido) e que alguns verbos apresentam apenas o particípio irregular (feito, escrito, aberto). Por fim, sabemos que há verbos que apresentam duplo particípio (salvado/salvo, prendido/preso, extinguido/extinto). E é aí que a roda começa a pegar. Quando usar este ou aquele?As gramáticas e os dicionários costumam simplificar a questão ao afirmar que, quando o auxiliar é “ter” ou “haver”, emprega-se a forma regular do particípio (tinha/havia salvado, tinha/havia extinguido) e que, quando o auxiliar é “ser” ou “estar”, emprega-se o particípio irregular (foi/está salvo, foi/está preso, foi/ está extinto).Até aí, tudo bem. Na verdade, tudo mais ou menos bem. Ninguém será perturbado se seguir essa “regra”, mas não se pode negar que o uso já consagrou o emprego de formas irregulares do particípio, como “aceito” e “entregue”, com os auxiliares “ter” e “haver” (tinha/havia aceito/entregue). A seguir ao pé da letra a “regra” clássica, obter-se-iam as formas tinha/havia aceitado e tinha/havia entregado.Algumas gramáticas tentam apresentar orientação diferente da clássica ao elencar os duplos particípios e seus usos. Uma delas é a de Evanildo Bechara. A tarefa é delicada, mas tem o mérito de fugir da obviedade e levar em conta o que efetivamente se usa no idioma.Uma coisa é clara, porém: partir da ideia (fútil e demagógica) de que vale tudo desemboca no caricato ou esquizofrênico, visto que nenhum dos defensores do “está bom de qualquer jeito” teria peito para escrever algo como “A polícia tinha preso todos os bandidos” ou “O delegado tinha solto os suspeitos”.Um caso que merece destaque é o de formas como “Tinha chego”, “Tinha compro”, cada vez mais comuns no linguajar de pessoas de pouca escolaridade. De onde vêm essas formas? A explicação parece simples: como a forma irregular dos particípios duplos muitas vezes coincide com a primeira pessoa do singular do presente do indicativo (caso de “trago”, “salvo” etc.), o falante, por associação, acaba usando o mesmo processo para chegar a “tinha chego”, “tinha compro”, que já ouvi muitas vezes e que já foram objeto de perguntas em muitas das minhas palestras Brasil afora.Que fique claro: formas como “tinha aceito” e “tinha entregue” já frequentam os registros formais ou semiformais, o que não ocorre com “tinha chego”, “tinha trago”, “tinha compro” ou “tinha falo”. É isso.

inculta@uol.com.br
……………………..Publicado no jornal Folha de S. Paulo em 11 de novembro de 2010.
 

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