Paralelismo

Pasquale genial mais uma vez!

 

Não tivemos como não reproduzir aqui a excelente coluna do prof. Pasquale na Folha de hoje!

 

Comparações

 

Estava num site, dia desses: “Velocidade da internet móvel brasileira perde para Argentina, Chile e Colômbia”. Belo material para uma questão de vestibulares de ponta (Fuvest, Unicamp, Unesp etc.). As bancas poderiam tomar esse título como base para abordar o paralelismo (ou a falta dele), por exemplo.

Vamos direto ao ponto: quem perde para quem? O que se compara? Parece claro que o tema do título jornalístico é a velocidade da internet móvel nos países A, B, C e D, não? Como são citados esses países? O primeiro dos quatro (verdadeiro ponto central do tema) é o Brasil, implícito no adjetivo “brasileira” (“internet móvel brasileira” = “internet móvel do Brasil”). O caro leitor certamente notou (e sabe) que “brasileira” não corresponde a “Brasil”; corresponde à locução “do Brasil”.

E os outros três países? Nada de adjetivo. E nada de locução adjetiva. O que se diz é que a nossa internet móvel perde para Argentina, Chile e Colômbia, ou seja, comparam-se salas de cinema com pratos de arroz e feijão, ou rodas de automóveis com hambúrgueres de frango.

O título em questão carece de simetria e, consequentemente, de elegância. Antes que alguém diga que em grandes textos literários o paralelismo é solenemente atropelado, digo que já citei isso diversas vezes neste espaço, com exemplos literários mais do que instigantes. Em suma: literatura é uma coisa; texto informativo (ou técnico, jurídico, filosófico etc.) é outra.

Pois bem, voltando ao título sobre a internet móvel, como se conserta (e concerta também) a construção? Colocando lé com lé, ou cré com cré. Vamos às possibilidades, começando pelas duas melhores ou mais simétricas: a) “Velocidade da internet móvel brasileira perde para a argentina, a chilena e a colombiana” (note a inicial minúscula em “argentina”, já que agora estamos diante do adjetivo, e não do substantivo próprio); b) “Velocidade da internet móvel do Brasil perde para a da Argentina, a do Chile e a da Colômbia”. O leitor notou que na primeira construção se usam quatro adjetivos pátrios; na segunda, quatro locuções adjetivas correspondentes a esses adjetivos.

Agora vamos a mais duas possibilidades, menos boas ou menos simétricas do que as anteriores: c) “Velocidade da internet móvel brasileira perde para a da Argentina, a do Chile e a da Colômbia”; d) “Velocidade da internet móvel do Brasil perde para a argentina, a chilena e a colombiana”. Preciso explicar por que são menos simétricas? Acho que não.

Ontem, ao vir para o jornal, ouvi no rádio do carro uma matéria sobre uma experiência feita na Nova Zelândia com cães motoristas. Sim, conseguiram adestrar dois cães, que aprenderam a “conduzir” um automóvel por alguns metros. O assunto provocou brincadeiras e comentários jocosos dos participantes do programa. Num desses comentários, comparou-se a capacidade de dirigir desses cães com a de humanos alcoolizados. O comentário terminou com algo semelhante a isto: “…motoristas alcoolizados têm condições inferiores a um cão”. Falar ao vivo é fogo, caro leitor! O que se compara? As condições de humanos alcoolizados com um cão? Não. Comparam-se as condições de humanos alcoolizados com as (condições) de um cão.

Moral da história: a frase que mantém a simetria é outra, ou seja, é “…motoristas alcoolizados têm condições inferiores às de um cão”. Notou o acento grave? Já sabe por que ele aparece?

Pense um pouco. De qualquer maneira, prometo voltar ao assunto brevemente para elucidar esse emprego do acento indicador de crase. É isso.

inculta@uol.com.br

Pasquale Cipro NetoPasquale Cipro Neto é professor de português desde 1975. Colaborador da Folha desde 1989, é o idealizador e apresentador do programa “Nossa Língua Portuguesa” e autor de várias obras didáticas e paradidáticas. Escreve às quintas na versão impressa de “Cotidiano”.

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