Paralelismo

Coluna do Professor Pasquale Cipro Neto na Folha

PASQUALE CIPRO NETO

‘…preferem português à matemática’


Diversos meios de comunicação mostraram que também tropeçam no trato com a língua


HÁ DUAS SEMANAS, foram divulgados novos dados sobre o desempenho dos nossos estudantes. Os resultados foram comentados à exaustão nos jornais, sites etc. Solidários, diversos meios de comunicação se aliaram aos alunos, ou seja, demonstraram que também tropeçam no trato com a língua.
Comecemos por um título (de um site), que terminava assim: “…preferem português à matemática”.
O problema não está no verbo “preferir”, que no registro culto é usado com a preposição “a” (“Prefiro um asno que me carregue a um cavalo que me derrube”). No título, usou-se a construção formal, mas…
Mas o velho hábito de eliminar dos títulos os artigos definidos talvez tenha feito o redator se perder. Explico: para manter a simetria, quem escreve “preferem português” deve terminar a construção com “a matemática” (“…preferem português a matemática”). Por quê? Porque “à” resulta de “a” + “a”, em que o segundo “a” (nesse caso) é artigo. Ora, se não se usou artigo antes de “português”, ou seja, se não se escreveu “preferem o português”, por que é que se vai empregar artigo antes de “matemática”?

Conclusão: ou se escreve “…preferem português a matemática” ou se escreve “…preferem o português à matemática”. Não custa lembrar que costumamos usar essas disciplinas sem artigo. Dizemos que alguém gosta de português ou de matemática (em vez de “do português”/”da matemática”) ou que alguém vai bem em português ou em matemática (em vez de “no português”/”na matemática”).
Em outras palavras, a construção que vai ao encontro do que é mais usual (quanto ao artigo) é “…preferem português a matemática”, o que não significa que a outra é inviável.
Sei muito bem que o inocente emprego do indevido acento indicador de crase no título citado não altera o preço do feijão, mas a noção de paralelismo ou simetria pode ser importante para a construção de frases bem acabadas, claras e, sobretudo, estilisticamente aceitáveis.
Assim, quem escreve “Funcionários cogitam nova greve e isolamento do governador” se sai melhor do que quem opta por “Funcionários cogitam nova greve e isolar o governador” (a segunda frase é da Fuvest; pedia-se ao candidato que a reescrevesse, “fazendo apenas as adaptações necessárias para que se estabeleça o paralelismo”).
Além da construção que aparece no início do parágrafo anterior, seria possível esta: “Funcionários cogitam fazer nova greve e isolar o governador”. Como se vê, ou se opta por dois verbos (“fazer” e “isolar”) ou se opta por dois substantivos (“greve” e “isolamento”).
Bem, por falar em “preferir”, veja só este outro título, também publicado num site e também relativo ao desempenho dos nossos alunos: “Escolas privilegiam alfabetização do que o ensino da matemática”. Agora o bicho pegou de vez! Por acaso alguém privilegia uma coisa do que outra? Parece que não.
O que temos aí é um fenômeno muito comum na língua: o emprego de um verbo com a regência de outro (do mesmo campo semântico). O redator empregou o verbo “privilegiar” com o sentido e a regência (informal) de “preferir” (“preferir uma coisa do que outra”).
No padrão culto (e também no informal), não há registro de “privilegiar uma coisa do que outra”, muito menos de “privilegiar uma coisa a outra”. Parece que o que se queria dizer era algo como “Escolas privilegiam alfabetização em detrimento do ensino da matemática” ou “Escolas privilegiam alfabetização e deixam em segundo plano o ensino da matemática”. É isso.

inculta@uol.com.br 

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Publicada no jornal Folha de S. Paulo em 08 de setembro de 2011.

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