O ensino da Língua Portuguesa

E A PROFESSORA NÃO DÁ AULAS

Ana Márcia Martins da Silva¹

O ensino gramatical é, na prática, a única solução que a escola tem dado à necessidade de ensinar a norma culta, num contexto linguístico em que a norma culta se afasta do uso corrente. (ILARI, 2007. p. 235)

São vinte e tantos anos em sala de aula. São vinte e tantos anos dando aulas de Língua Portuguesa e de Literatura. E são vinte e tantos anos ouvindo as mesmas observações de alunos, pais e, o pior de tudo, de coordenações pedagógicas: nós queremos aulaa professora não está preparando para o vestibular; não há conteúdo no caderno; tu és criativa, mas os alunos não veem relação de alguns projetos que fazes com o ensino da gramática. Esse assédio não é exclusividade de um ou de outro dos professores de LP que travam uma luta diária para fazer de suas aulas laboratórios de discussão sobre e com a língua, e alguns, ao longo do tempo, preferem voltar às “boas e velhas aulas de gramática”, que não lhes dão problemas e agradam a todos.

Felizmente, nem todos desistem da batalha, e os que persistem acabam por encontrar ressonância em alguns bons alunos, que serão multiplicadores, mais adiante, do prazer em desvendar os mistérios da língua e da literatura de seu país. E são esses alunos que justificam as muitas horas dedicadas à preparação de aulas, à escolha de textos, à leitura atenta de seus textos.

No entanto, se o professor não tiver um conhecimento linguístico que embase seu trabalho, talvez não consiga levar adiante suas ideias, por mais bem intencionadas que sejam. Habilitar os alunos às diversas possibilidades da língua só será possível se ele as conhecer e dominar, o que não fará apenas com os “ensinamentos” de uma gramática escolar. É preciso que leia muito, que se especialize, que se debruce sobre os fenômenos linguísticos com os quais trabalhará em sala de aula.

Outra questão importante para o ensino de língua materna é a maneira como o professor concebe a linguagem e a língua, pois o modo como se concebe a natureza fundamental da língua altera em muito o como se estrutura o trabalho com a língua em termos de ensino. A concepção de linguagem é tão importante quanto à postura que se tem relativamente à educação. (TRAVAGLIA, 2008. p. 21)

É fundamental, portanto, que esse professor seja um leitor “com hálito de leitura”², isto é, que goste de ler e que se envolva com a obra literária. Isso significa que não se devem separar as reflexões sobre o uso da língua do trabalho com o texto literário, o que não quer dizer que este deva ser usado como pretexto para o ensino daquela. A fruição com a arte literária será, na verdade, a descoberta do manifestar-se no/ao mundo por meio das muitas possibilidades que a linguagem oferece.

(…) o professor de língua materna deveria ser, por definição, alguém que redige de maneira satisfatória (isto é, com bom controle sobre a correção, a coesão textual, a coerência, e sobre as qualidades do texto que possam ser contextualmente relevantes – concisão, clareza, expressividade…); alguém que interpreta, buscando no texto as informações que importam; alguém que sabe esclarecer a língua de um texto (não apenas a sintaxe das sentenças, e não qualquer coisa na língua de um texto, de preferência as coisas que fazem diferença); alguém que sabe e gosta de narrar, descrever e argumentar. Se nos for permitida a analogia, um professor de língua materna tem de ser como um professor de música que… toca. (ILARI, 2007)

As aulas de língua portuguesa, portanto, devem envolver os alunos nas diversas manifestações da linguagem – a das conversas diárias, a da literatura, a da Internet -, levando-os à discussão sobre a importância da adequação linguística às mais variadas situações comunicativas. Enquanto pesquisam, leem e escrevem, discutem a melhor forma de expressar suas ideias, o que demanda, então, a busca por uma linguagem mais acurada e sedutora. Estarão, dessa forma, sem que percebam, internalizando as regras do bom funcionamento da língua. A gramática passará da penosa decoreba para a prazerosa descoberta das formas eficientes de/para “dizer“ o mundo.

Não há mais condições, quando vivemos o século XXI, de nos mantermos isolados em nossas disciplinas escolares. O aluno não processa os conhecimentos adquiridos na escola porque não os percebe ligados ao mundo em que vive e, muito menos, ligados entre si. Nosso papel, então, é fazê-lo ver isso, é mostrar-lhe a funcionalidade daquilo que aprende/aprendeu na escola. Assim, quem sabe, possamos vencer a “guerra” contra os que acreditam que saber identificar os tipos de substantivo, por exemplo, capacitará nossos alunos a produzir bons textos.

REFERÊNCIAS

ILARI, Rodolfo & BASSO, Renato. O português da gente: a língua que estudamos a língua que falamos. São Paulo: Contexto, 2007.

TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Gramática e interação: uma proposta para o ensino de gramática. 12. ed. São Paulo: Cortez, 2008.

[1]Bolsista Pró-Bolsa-PUCRS. Doutoranda em Linguística Aplicada pelo programa de Pós-Graduação em Letras da PUCRS. Professora de LP I e II – Curso de Letras – Faculdade Porto-Alegrense. Professora de Língua Portuguesa – Diplomacia – Curso Preparatório por Disciplina (www.cursodiplomacia.com.br).

[2] Não se passa o hábito de leitura se não se tem o hálito de leitura. Bartolomeu Campos Queirós

Gostou? Compartilhe.

Você pode gostar.

Fale pelo WhatsApp

(11) 97628-5958

Fale pelo telefone

(11) 97628-5958

Envie um e-mail

revisao@3gb.com.br