Genial como sempre

Sempre excelente, segue a coluna do prof. Pasquale publicada na Folha de S. Paulo de hoje:
 
PASQUALE CIPRO NETO

“Se der um tapa na bola, Neymar ia…”


A linguagem se adapta ao veículo. Quando o locutor disse a primeira parte da frase, Neymar de fato…


O CARO LEITOR CERTAMENTE já ouviu falar de correlação verbal, não? Bem, os que leem habitualmente esta coluna, os que estão às voltas com vestibulares e concursos e os que estudam a língua, entre outros, decerto já ouviram falar disso.
Para quem não sabe ou esqueceu, lá vai: a correlação verbal se ocupa do casamento entre o tempo e o modo de duas formas verbais de um mesmo período. Vamos a alguns exemplos básicos: “Se ele/a for embora, o que você fará?”; “Se ele/a fosse embora, o que você faria?”.
No primeiro exemplo, há correlação entre as formas verbais “for” (do futuro do subjuntivo) e “fará” (do futuro do presente do indicativo). No segundo, a correlação se dá entre “fosse” (do pretérito imperfeito do subjuntivo) e “faria” (do futuro do pretérito do indicativo).
Se o caro leitor tiver ficado enjoado com tantos nomes de tempos e modos verbais, tome um digestivo, digo, esqueça essa montoeira de nomes e guie-se pelo senso, pelo bom senso, pela intuição, que, quase sempre, resolvem o problema.
Por que “quase sempre”? Porque há alguns casos capciosos, que às vezes nos pregam surpresas. Um desses casos é o da forma “havia”, do verbo “haver”. No padrão formal da língua, é desejável que se prefira essa flexão à do presente do indicativo (“há”) em construções como estas: “Havia seis anos que o importante projeto estava parado nas gavetas do Congresso”; “Quando eles se conheceram, havia dois anos que o ex-ministro ocupava a pasta”.
Nos exemplos do parágrafo anterior, comprova-se a pertinência do emprego da forma “havia” com a simples substituição dessa flexão por “fazia”: “Fazia seis anos que o importante projeto estava parado nas…”; “Quando eles se conheceram, fazia dois anos que o ex-ministro ocupava…”. As formas “havia” e “fazia” são do mesmo tempo verbal (pretérito imperfeito do indicativo).
Na língua do dia a dia, a forma “havia” é substituída por “há”, que, na prática, funciona como partícula intemporal. São comuns nessa variedade da língua (e mesmo em vários registros escritos) construções como estas: “Ele trabalhava lá há seis anos” ou “Eu não via seu primo há seis anos”. Esse uso é tão disseminado que, em seu “ABC da Língua Culta”, Celso Luft assim escreve na entrada “há”: “Forma do verbo haver, significando: 1. Faz ou fazia: Há um ano que não o vejo. Há um ano que tinha desaparecido (melhor, coordenando os tempos: Havia um ano que tinha desaparecido)”.
Como se vê, Luft dá “há” como equivalente a “faz” ou “fazia”, mas logo faz a observação sobre o que é “melhor”. E por que será “melhor”? Talvez porque em determinados registros podem caber as duas formas, com valores distintos. Vejam-se estes exemplos: “Ela estava no hospital há um ano”; “Ela estava no hospital havia um ano”. Percebeu? No primeiro exemplo, informa-se que há um ano, ou seja, um ano atrás, ela estava no hospital (não se diz quanto tempo ela passou lá); no segundo, informa-se que fazia um ano que ela estava no hospital.
E onde entra Neymar na conversa? Vamos lá. Dia desses, um locutor disse isto: “Se der um tapa na bola, Neymar ia ficar sozinho”. Terá ele errado a correlação entre “der” e “ia ficar” (= “ficaria”)? Não e não, caro leitor. A linguagem se adapta ao veículo. Quando o locutor disse a primeira parte da frase (“Se der um tapa na bola” -o sujeito dessa oração não era “Neymar”; era o jogador que daria o tapa na bola), Neymar de fato ficaria sozinho se o outro jogador… Mas o passe não foi dado, e o raciocínio do locutor foi tão rápido quanto o desfecho do lance, por isso a troca de “vai ficar” (= “ficará”), por “ia ficar”. É isso.

inculta@uol.com.br

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