Do jornal Zero Hora

Coluna publicada no jornal Zero Hora em 24 de maio de 2011.
 
LUÍS AUGUSTO FISCHER Ensinar ou debater errado? Notícia boa é saber que a escola em geral e o ensino de Português em particular estão na ordem do dia – a preocupação aumentou, e disso pode resultar um desenvolvimento inédito da área em nosso país. Notícia ruim é constatar que o debate em torno desses relevantes temas é ruim, meio torto, fruto direto da falta de intimidade com a questão por parte dos meios de comunicação massivos. Vamos a uma analogia: lembra quando a mídia começou a falar da aids? Tinha de tudo em matéria de reação e demoramos muitos anos de debates e reportagens, ouvindo especialistas, vítimas e população em geral, até que agora estamos numa situação razoável. Daquelas primeiras reações (“aids pega em aperto de mão?”) até agora, quanta água rolou, não foi? O caso atual é bem parecido. O evento mais notório é o do livro didático que o MEC bancou para trabalho com EJA, Ensino de Jovens e Adultos, para gente fora da seriação escolar típica, adultos que há tempos não estudam, se é que alguma vez estudaram. Muitos estão opinando sem ler, ou sem ler direito. Vários textos aqui mesmo na Zero expressaram isso. O que dizem reflete mais a precariedade de informação do que o tema em pauta. Não duvido da boa-fé de ninguém. Ocorre que tais textos (dois apenas no domingo passado) reagem ao trabalho de linguistas especializados da área da descrição científica e do ensino de línguas do mesmo modo como certas pessoas olham com desconfiança a receita dada por um médico especialista na doença, duvidando que aquilo possa fazer tão bem quanto o velho e conhecido chazinho que a vó preparava. A analogia é imperfeita, como são todas as analogias (do contrário, seriam igualdades), mas ajuda a entender, senão o mérito do problema, ao menos a forma que o problema alcançou na mídia. O chá da vó pode ser bom, mas definitivamente não ajuda a entender melhor o problema (pode até mascará-lo, como recente série do Fantástico mostrou, com Drauzio Varella), nem a curar o doente. Li o capítulo polêmico do livro (que está em vários lugares da internet) e, caro leitor, o livro está certo, certíssimo: conversa com o leitor (do EJA) para demonstrar (não apenas constatar) a existência da variação social da língua falada e da língua escrita e – atenção – para mostrar o caminho até a forma culta, prestigiada, que os não-especialistas chamam de certa. Eu também tenho saudade do tempo em que o médico chegava e, apenas botando a mão na testa da gente, dava diagnóstico e prognóstico sem erro; mas hoje isso não existe mais. Não estou dizendo que tudo está bem, no ensino de Português ou no MEC; há interrogações grandes, mesmo nisso que acabei de dizer, mas acabou o espaço, enquanto o problema está só começando a se configurar na arena pública.

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