“Eu tenho medo do Mesmo”
Diz o “Aurélio’: “Parece conveniente evitar o emprego de o mesmo como equivalente do pronome ele ou o” |
EM SEU ÚLTIMO VESTIBULAR, a Unicamp elaborou uma questão sobre uma conhecida frase que se lê nos elevadores (“Antes de entrar no elevador, verifique se o mesmo encontra-se parado neste andar”).Confesso que nunca entendi bem a existência de uma lei que determina ao cidadão que verifique se o elevador lá está antes de nele entrar. Fica-se com a impressão de que a causa de um eventual acidente é a desobediência à lei. Francamente…Essa “lei” e sobretudo a sua enfadonha redação (de que faz parte o chatinho emprego de “o mesmo”) levaram internautas a criar a comunidade “Eu tenho medo do Mesmo” (assim mesmo, com maiúscula). Bem-humorada, a comunidade brinca com o termo “mesmo”, que se transforma num ser vivo (um fantasma, um maníaco ou algo assim). Essa transformação se dá com o emprego da inicial maiúscula, que aparece também na frase “Mesmo, o maníaco dos elevadores”, usada pelos integrantes dessa comunidade.No texto original da lei, a expressão “o mesmo” recupera “o elevador”. Esse uso de “o mesmo” (como elemento que substitui, recupera) não encontra abono nos dicionários recentes, como o “Houaiss” e o “Aulete” (eletrônico), mas aparece com razoável frequência na língua falada, sobretudo quando a linguagem é semiformal ou formal, e em muitos escritos -recentes ou mais antigos.O “Dicionário Priberam da Língua Portuguesa” (de Portugal) registra sem rodeios a palavra “mesmo” com o sentido de “coisa ou pessoa que já foi mencionada anteriormente”. O exemplo do dicionário é este: “Eu fiz a tarefa, mas a mesma não ficou perfeita”. Numa de suas edições, o “Aurélio” diz o seguinte: “Parece conveniente evitar o emprego de o mesmo como equivalente do pronome ele ou o”. E conclui: “É tão frequente esse uso, pelo menos deselegante, de o mesmo, que podemos observá-lo num mestre como Camilo Castelo Branco”. Depois, o “Aurélio” dá exemplos desse uso.Cá entre nós, esse emprego parece mesmo um tanto deselegante e até um pouco chatinho, mas… Bem, você decide, caro leitor, o que fazer com esse uso de “o/a mesmo/a”.Pois bem, voltemos à questão da Unicamp, que pedia ao candidato que explicasse “o que torna possível o jogo de palavras “Mesmo, o maníaco dos elevadores”, usado pelos membros dessa comunidade”. Ora, na verdade não se deveria perguntar o que torna possível o jogo de palavras, já que na frase do elevador a palavra “mesmo” é escrita com inicial minúscula. O que se deveria perguntar é que recurso a comunidade empregou para criar a brincadeira, zombaria ou algo do gênero.Como parece claro, a brincadeira decorre do emprego, no nome da comunidade, da palavra “mesmo” com inicial maiúscula, que a transforma num substantivo próprio, que nomeia um indivíduo “fascinado” por elevadores e seus ocupantes…Deve-se notar a presença da vírgula em “Mesmo, o maníaco dos elevadores”. Essa vírgula deixa claro o papel da expressão “o maníaco dos elevadores”. Não fora ela…Na questão da Unicamp há um segundo item, que pede ao aluno que reescreva o aviso “de forma que essa leitura não seja mais possível”. O enunciado não é dos mais felizes. Em vez de “de forma que essa leitura não seja mais possível”, caberia “de forma que essa brincadeira não seja…”. Forçando a barra, a banca achou um jeito de pedir ao candidato que reescrevesse a pífia frase do elevador sem o chato “o mesmo”. As possibilidades são muitas. Uma delas é esta: “Antes de entrar no elevador, verifique se ele se encontra parado neste andar”. Sim, ele (o elevador), por que não? É isso.